Rebater ou refutar uma única mensagem ou conter e bloquear um único ator é observar a desinformação de modo isolado, não em rede.
Um pouco mais sobre o projeto
A grande maioria dos projetos de combate à desinformação se fundamenta na tentativa, muitas vezes inglória, de produzir contradiscursos que se prestam a esclarecer determinados aspectos e informar corretamente à população. Os chamados fact-checkers, por exemplo, têm investido em sistemas de selos de verificação de notícias falsas ou na circulação de campanhas educativas com ênfase em ações de media literacy que sugerem que apenas os grandes meios de comunicação têm condições de afirmar o que é uma notícia verdadeira ou não. Os resultados, até esse momento, são tímidos ou contraproducentes, já que a mídia tradicional, ela própria, é vista com descrédito por grande parte desses grupos. O grande problema desses projetos, portanto, é que eles parecem compreender a dinâmica de difusão de fake news nas mídias sociais a partir de uma perspectiva restrita ao conteúdo, sem reconhecer que este problema não pode ser enfrentado a partir de uma abordagem factual e corretiva, já que esses conteúdos não atuam isoladamente, mas em rede, compondo imaginários coletivos e sendo propagados por diferentes atores políticos em consonância, na expectativa de constituir um senso comum em torno de determinada pauta.
Por isso, a proposta deste laboratório é mapear amplamente a rede de influenciadores políticos online, identificando comportamentos de usuários cuja atuação se assemelhe à de agentes profissionais do campo político, e evidenciando o papel desempenhado por ações coordenadas por milícias digitais. Da difusão em massa de fake news às chamadas à ação para linchamento online contra adversários políticos específicos, o laboratório centrará sua análise em grupos de discussão política no WhatsApp, mas desenvolverá paralelamente investigações de caráter comparativo em ambientes multiplataforma, apoiando-se em outras mídias sociais populares, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram.
A constituição de redes de desinformação em aplicativos como o WhatsApp representa um enorme desafio para agentes políticos e midiáticos. Iniciativas de fact-checking, por exemplo, apresentam efeitos limitados nesse ambiente, à medida que a circulação de conteúdos que procuram combater fake news é normalmente rechaçada em grupos de discussão política. Esses grupos têm organização homofílica e avessa à diversidade de opiniões. Por essa razão, esforços para verificar a veracidade de conteúdos são sumariamente barrados por usuários e administradores. Por outro lado, projetos que confiam na arquitetura digital da plataforma para etiquetar automaticamente conteúdos falsos geralmente esbarram nas particularidades da criptografia de ponta-a-ponta, cuja principal vantagem é garantir o sigilo da informação aos usuários em redes de comunicação privada. Combater a desinformação nesses ambientes não é tarefa simples. E é ainda mais difícil se não se conhece a rede e a atuação de seus principais participantes.
A maior parte dos projetos de lei que tramitam hoje no Congresso sobre a regulamentação de fake news não leva em consideração o ambiente de aplicativos de comunicação móvel, achatando a realidade ao nível de outras plataformas que se caracterizam mais claramente como redes sociais online. Nesse sentido, embora algumas ações apresentem resultados pontuais no combate à desinformação, em grande medida, no longo prazo, as redes de distribuição de conteúdos desinformativos e discurso de ódio tendem a se reestruturar e continuar em atividade. Conhecer o modus operandi dessa rede, entender quais são seus mecanismos, ler quais são os principais atores integrantes, e avaliar modelos de viralidade é fundamental para planejar ações de sanção e contenção desses grupos. O Laboratório de Combate à Desinformação e ao Discurso de Ódio em Sistemas de Comunicação em Rede (DDoS), uma espécie de subprojeto do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (coLAB), da Universidade Federal Fluminense, pretende dar vazão a esses esforços.